sexta-feira, julho 27, 2012

A Análise: Os Dias De Raiva - "Parece Que Vai Chover"

Desde que o homem produz música que há música de intervenção. Independentemente do momento em que é feita, esta acaba por ser sempre pertinente, e é-o ainda mais neste momento. Parece Que Vai Chover d'Os Dias De Raiva chega mesmo a tempo da nuvem negra que paira sobre o mundo, mas é muito mais que crítica política. É um disco que põe o dedo na ferida e aponta defeitos ao que hoje é considerado socialmente banal.
Os Dias De Raiva, o nome diz tudo sobre o som e as temáticas abordadas pela banda de Carlão e companhia. Esta forte crítica ao momento social há pouco referido é sublinhada pela agressividade do punk hardcore - para que não restem dúvidas em torno do nome da banda. Tudo o que fora prometido no EP de estreia, editado pela iniciativa Optimus Discos, é confirmado em Parece Que Vai Chover. Temos nesta nesta banda um caso sério de genuinidade aplicada à música.
Passando um pouco ao lado da componente instrumental trazida por músicos de créditos mais que firmados, analisemos as temática líricas. Apesar dos assuntos corriqueiros (como o Facebook ou a senhora que fala muito alto ao telemóvel), a escolha das palavras não é a mais óbvia e directa: é crua e violenta ou delicada e cuidada quando tem de o ser. De resto, esta componente lírica fica bem ao nível do que Carlos Nobre nos tem habituado ao longo dos anos. Os temas "Benzodiazepinas" e "Sanguessuga" deverão constar entre as letras mais pessoais alguma vez escritas por ele.
Para a história fica mais um grande álbum do rock nacional. Uma edição de autor dos próprios Dias De Raiva para nos lembrar quão difícil é fazer música em Portugal.
André Beda
Reza a história que em 1994 os Da Weasel tinham lançado um EP de nome More Than 30 Motherf***s, um trabalho de rap rock com cheiro a hardcore e que revelava as raízes de Carlos Nobre (Pacman) e do seu irmão Jay-Jay, este último que pertenceu à mítica banda Braindead. À altura, para promoção desse clássico EP, saiu um vídeo onde Pacman se apresentava com a mesma imagem de Zack de la Rocha dos Rage Against The Machine. Já 16 anos depois, em 2010, surgiu o projecto Os Dias De Raiva, uma mais recentes surpresas da música portuguesa. São um super-grupo hardcore, uma banda que não está cá por acaso.
Pacman tem um dote indiscutível para criar letras em português (dos tempos dos Da Weasel) e grita como nunca ao longo deste trabalho. Dos tempos do hardcore/thrash nacional temos o seguro baixista Nuno Espírito Santo, que vem dos Braindead, uma das bandas mais bem sucedidas do início dos anos 90 em Portugal e com uma sonoridade perto dos Faith No More. Há ainda dois exímios guitarristas, João Guincho e Paulo Franco, a dupla forte dos Dapunksportif - uma banda de stoner rock e das mais pesadas na cena portuguesa. E por fim, o baterista Fred, um dos mais requisitados e afamados bateristas de estúdio nacionais.
Todos estes são os pontos de partida para Parece Que Vai Chover, o álbum de estreia do super-grupo depois do prometedor e aguardado EP homónimo pela editora online Optimus Discos. A banda, perdão... O super-grupo nacional cumpre à letra todo anseio do culto criado em 2010 e chuta, grita e rasga todo o seu poder durante 10 músicas em pouco mais de 30 minutos. Pacman e companhia criam - já! - um dos álbuns de culto nacionais do novo século. Punk rock hardcore de altíssima qualidade que utiliza a língua portuguesa e a transforma no barro de todo o disco. O que distingue Os Dias De Raiva dos demais projectos de hardcore é mesmo isso: o sábio emprego do português (com uma lírica ímpar na crítica à sociedade). E, claro, como não poderia deixar de ser, a grandiosa formação que compõe o grupo.
Os super-grupos, na grande maioria das vezes, nem sempre satisfazem as expectativas, mas este consegue-o. Tudo pela simples razão de estarem reunidos, no mesmo sítio, músicos inteligentes, de diferentes áreas e que têm em comum a raiva e a cultura hardcore que viveram nas suas adolescências. Voltaram aqui às tardes juvenis passadas na garagem a malhar nas guitarras. Assim transparece na sua música.
Carlos Montês

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